domingo, 25 de julho de 2010

Comunicação médico e paciente... um problema de educação ou de saúde?

O artigo publicado no dia 25/07/2010 na Folha de São Paulo, no caderno Cotidiano escrito por Ricardo Westin com o título “1 a cada 4 não compreende a orientação médica no HC” é extremamente importante para os médicos, pacientes e acompanhantes, pois relata uma pesquisa realizada no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, que segundo o artigo da Folha o objetivo era identificar analfabetos funcionais entre acompanhantes e pacientes do Hospital. É relatado que 23,5% das pessoas (312 analisadas) não compreendem o que é lido e que esta relação está indiretamente relacionada ao tempo de escolaridade, ou seja, quanto menor tempo de escolaridade, maior é a taxa de analfabetismo funcional. É importante entender, que a pesquisa excluiu as dúvidas referentes à caligrafia médica, pois as informações foram impressas em letra de forma.



As questões ressaltadas no jornal preocupam, mas principalmente sinalizam questões as quais o médico sempre desconfia se é compreendido quando prescreve um medicamento, solicita um exame, ou orienta seu paciente ou acompanhante perante as restrições e/ ou preparo para exames laboratoriais, entre outras inúmeras recomendações.

Embora o assunto desta postagem não seja hematológico, entendo que é fundamental discutir o assunto neste blog, pois este espaço visa informar pessoas leigas e a comunicação é essencial tanto do ponto de vista virtual, como este blog, assistencial e nas pesquisas clínicas.



Confesso que pela primeira vez pude ler algo que mensura esta forma de comunicação médica, assim valorizo a “porta” que o jornal Folha de São Paulo abriu para que pudesse obter o artigo original na fonte.

Ao ler o jornal surgiram inúmeros questionamentos

1) Qual a fonte deste artigo?

2) O artigo é recente?

3) Quais foram os critérios de inclusão para a seleção das pessoas pesquisadas?

4) Esta amostra de 312 pessoas representa a população brasileira?

5) Qual foi o método utilizado para obtenção deste resultado? Qual seria a média de pontos atingida no questionário para obter a definição “não entendem o que lê”?

6) Embora pareça alta a taxa de 23,5% de analfabestimo funcional, desta amostra de pessoas brasileiras, como estamos em relação às nações da América Latina e do primeiro mundo? Ou melhor, qual deveria ser a taxa aceitável?

7) Qual foi a taxa de analfabetismo funcional em idosos? Uma vez, que pode haver déficit de atenção.

8) Os jovens têm maior nível de escolaridade? Existe uma perspectiva melhor para os mais jovens?

O artigo está na íntegra disponível no link http://www.scielosp.org/pdf/rsp/v43n4/124.pdf . Assim, o artigo fonte em que a coluna da Folha de SP relata foi publicado na Revista de Saúde Pública em 2009 – fonte Rev Saúde Pública 2009;43(4):631-8. O título do artigo publicado na língua inglesa é “Performance of a Brazilian population on the test of functional health literacy in adults”.

Com o artigo nas mãos pude notar que o objetivo do estudo não era identificar o analfabetismo funcional e sim analisar o instrumento que avalia a habilidade de leitura e compreensão de materiais da área de saúde segundo escolaridade e idade.

Os critérios de inclusão das pessoas analisadas foram:

- Idade superior ou igual a 18 anos.

- Ter no mínimo um ano de estudo escolar ou ter ensino informal para leitura, estes foram considerados com 1 ano de escolaridade.

- Ausência de distúrbios neurológicos ou psiquiátricos, ou usuário de medicamentos que alteram a cognição.

- Ter acuidade visual mínima capaz para leitura e acuidade auditiva mínima para ouvir as solicitações e questionamentos.

- Idosos acima de 64 anos precisavam ter um informante que relatasse ausência da diminuição da cognição.

- Ausência de doenças crônicas não tratadas, como: hipertensão arterial, diabetes mellitus outras doenças do coração.

- Ausência de etilismo.

Portanto, como todo estudo os critérios para inclusão das pessoas analisadas não representam a realidade, mas são fundamentais para a elaboração metodológica do estudo.

O “Test of Functional Health Literacy in Adults” (TOFHLA) foi traduzido para o português e este foi o instrumento para análise do analfabetismo funcional. Este teste foi desenhado em 1995 para medir a habilidade de ler e entender informações de saúde. O teste mescla a compreensão da linguagem com informações numéricas mínimas.

Exemplo:

Tomar 1 comprimido com estômago vazio 1h antes das refeições ou 2 a 3hs após.

Se você fosse almoçar às 12hs e quisesse tomar a medicação antes do almoço, a que horas você deveria tomá-la?

A pontuação máxima do teste é 100 pontos e conforme a somatório de pontos as pessoas foram classificadas como compreensão: inadequada, marginal, ou adequada, conforme a convenção abaixo:

- Inadequado: 0 a 53 pontos
- Marginal: 54 a 66 pontos
- Adequado: 67a 100 pontos

Os autores na discussão utilizam o termo analfabetismo funcional para as pessoas que foram classificadas com respostas inadequadas.

Em relação ao tempo de escolaridade a maioria, 66,6%, estudou 8 anos ou mais.

A tabela abaixo, demonstra a relação inversa de tempo de escolaridade e taxa de analfabetismo funcional.

Tempo de escolaridade              Analfabetismo funcional
1 a 3 anos                                 82,50%
4 a 7 anos                                 42,20%
8 a 11 anos                               14,10%
Maior ou igual a 12 anos            ZERO

Em relação de analfabetismo funcional global de 23,4% em comparação com outros estudos, os autores citam uma pesquisa realizada nos EUA que um terço dos pacientes, ou seja, 33% foram classificados como analfabetos funcionais. A justificativa é que a amostra brasileira a porcentagem de pessoas com escolaridade superior a 12 anos foi maior que a da população norte-americana estudada, justificando o melhor resultado.

Portanto, é muito difícil concluir estes resultados, seria importante aumentar a amostra da população, utilizar critérios semelhantes para inclusão das pessoas analisadas em diversos paises para sabermos a real dimensão deste problema que existe e precisa ser combatidos por professores nas escolas e pelos médicos e enfermeiros nos consultórios.



Assim, caro leitor, ao receber orientação médica, solicitação de exame e prescrição de medicamentos, questione seu médico até estar tudo muito claro e compreendido.

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